Desde o início dos anos 1990, com a ?Década do Cérebro?, houve um enorme avanço nas pesquisas sobre o sistema nervoso. A disseminação dos novos conhecimentos neurocientíficos despertou grande interesse, tanto entre o público leigo como entre cientistas de diversas áreas. O cérebro se tornou um dos principais ícones da cultura contemporânea, manifestando-se nas artes, em diferentes áreas do conhecimento, nos meios de comunicação, na medicina e nos tribunais de justiça, para citar apenas alguns exemplos (AMARAL, 2016). Devido à significância do cérebro no processo de aprendizagem, isso despertou uma grande curiosidade entre os profissionais da educação, levando ao questionamento de como as neurociências podem ajudar a melhorar o ensino-aprendizagem em sala de aula (FERREIRA, GONÇALVES, LAMEIRÃO, 2019).
A relação entre as duas áreas, entretanto, é muito mais complexa do que uma simples transferência dos conhecimentos neurocientíficos para a educação. ?Num primeiro plano, o que realmente dificulta o sucesso desta interligação são as interpretações errôneas que se concebem a partir dos estudos da neurociência, dando origem ao que na literatura se descreve como ?neuromitos??, como a utilização de apenas 10% do cérebro e o funcionamento independente dos hemisférios cerebrais (RATO, CALDAS, 2010). A interpretação equivocada dos conhecimentos neurocientíficos, associadas ou não aos neuromitos, deram origens a diversos programas e pacotes que se dizem baseados nas neurociências, gerando uma ?indústria de aprendizagem baseada no cérebro? que aplica as neurociências de forma errônea na educação. Além disso, a diferença de linguagens entre as duas áreas, com níveis de análise muito diferentes (neuronal X comportamental), a discórdia entre pesquisas de base, com descobertas e contradescobertas, naturais no processo científico, e a impossibilidade de aplicar resultados de laboratória diretamente à sala de aula dificultam o estabelecimento de pontes entre as neurociências e a educação (FERREIRA, GONÇALVES, LAMEIRÃO, 2019; RATO, CALDAS, 2010).
Assim, não é factível a crença de que as neurociências deem soluções rápidas e sejam prescritivas para a educação. É importante, primeiramente, estabelecer pontes entre as duas áreas. Bruer (1997 apud RATO, CALDAS, 2010: p. 634) ?aponta a Psicologia Cognitiva como um potencial intermediário para ligar a ciência do cérebro à educação?. Uma simples combinação entre múltiplas disciplinas, entretanto, não é suficiente para uma comunicação adequada entre as neurociências e a educação, é necessário que os educadores conheçam melhor a ciência do cérebro e os cientistas entendam com mais profundidade a educação. Para isso, a transdisciplinaridade parece ser o melhor caminho para criar um novo campo do saber, possibilitando que educadores e cientistas desempenhem um papel forte e que as ligações entre os diferentes campos científicos sejam claras (FERREIRA, GONÇALVES, LAMEIRÃO, 2019; RATO, CALDAS, 2010). No século XXI várias iniciativas têm buscado consolidar esse novo campo de interlocuções, referenciado em diferentes obras como Neuroeducação, Neurociência Educacional ou Ciência da Mente, Cérebro e Educação.
O professor Milton Antonio Zaro (Programa de Pós-Graduação em Neurociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul ? UFRGS) e seus colaboradores, no artigo ?Emergência da Neuroeducação: a hora e a vez da neurociência para agregar valor à pesquisa educacional?, afirmam que ?a próxima geração de educadores, obrigatoriamente, precisará levar em conta o conhecimento gerado por pesquisas das Neurociências, ao planejar e desenvolver seus projetos de ensino e aprendizagem? (ZARO: p. 200). Para ele, entre os princípios-chave da neuroeducação está ?a compreensão de que não existem dois cérebros idênticos, devido tanto à natureza (questões congênitas) quanto à criação (experiência)? (ibid: p. 202). O objetivo da neuroeducação, do ponto de vista psicológico, é explicar os comportamentos de aprendizagem, através do cérebro (neurologistas) e da mente (psicólogos). Já para os educadores, o objetivo é utilizar essas informações para melhorar suas práticas em sala de aula.
O enorme avanço das neurociências nos últimos anos traz grandes perspectivas quanto a possibilidade de compreender melhor a aprendizagem humana. Entretanto, a relação entre as neurociências e a educação ainda apresenta muitas dificuldades, principalmente devido às diferentes abordagens e objetivos dos profissionais de cada área. Para superá-las, é necessária a integração entre neurocientistas, educadores, psicólogos e outros profissionais relacionados à educação, com o objetivo de fundamentar o ?nascimento? de uma verdadeira ciência da aprendizagem. Além disso, a inclusão do conhecimento neurocientífico nas escolas de formação de professores é uma necessidade premente, bem como a divulgação desse conhecimento para os professores já em atuação.
Assista ao vídeo sobre este conteúdo no meu canal do YouTube: https://youtu.be/t_j6Owyx0UA.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMARAL, J. H. A Educação no ?século do cérebro?: análise de interlocuções entre Neurociências e Educação a partir dos Estudos da Ciência. Tese (Doutorado em Educação) ? Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. 2016.
FERREIRA, H. S.; GONÇALVES, T. O.; LAMEIRÃO, S. V. O. C. Aproximações entre neurociências e educação: uma revisão sistemática. Em: Revista Exitus, Santarém/PA, v. 9, n. 3, p. 636-662, jul-set. 2019.
RATO, J. R.; CALDAS, A. C. Neurociências e educação: realidade ou ficção? Em: Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia, 7, 2010, Braga. Atas... Braga: Universidade do Minho, 2010. p. 626-644.
?ZARO, M. A. et al. Emergência da neuroeducação: a hora e a vez da neurociência para agregar valor à pesquisa educacional. Em: Ciências & Cognição, v. 15, n. 1, p. 199-210, abr. 2010.